quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Cientistas tentam manter estudo sobre ecstasy

Médicos, psicólogos, farmacologistas, psiquiatras - intelectuais, docentes e cientistas com currículos vistosos que incluem cursos de especialização nas mais prestigiosas universidades dos Estados Unidos e da Europa - aliaram-se a freqüentadores de baladas e outros agitos da noite paulistana para subscrever moção de apoio a duas pesquisadoras da Universidade de São Paulo atingidas por medida inédita na história da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Até sexta-feira passada, eram 805 os signatários em defesa das pesquisadoras.
A mobilização dos cientistas e do chamado "povo da noite" é uma resposta à suspensão pela Fapesp da liberação de recursos para o projeto de pesquisa coordenado pela pós-doutoranda em psicologia Stella Pereira de Almeida, 43, e pela professora titular do Instituto de Psicologia da USP, Maria Teresa Araujo Silva, 67.
No dia 18 de junho passado, Maria Teresa recebeu carta assinada pelo procurador da Fapesp, Andrei Vinicius Gomes Narcizo, comunicando-lhe que "dada a gravidade das denúncias veiculadas pela imprensa", a fundação determinou "a imediata suspensão" da liberação de recursos para o projeto de pesquisa "Implantação e Avaliação de Programa de Redução de Danos para o Uso de Ecstasy na Cidade de São Paulo".
As "denúncias" a que se refere a nota do procurador consistem em noticiário sobre a distribuição de 8 flyers (folhetos, no jargão do pessoal das festas), impressos em tiragens de 4.000 exemplares cada, em festas onde é notório o uso de ecstasy. No material, informações sobre como consumir a droga com menos riscos para a saúde.
Exemplo de "dica": "Uma forma de diminuir os riscos do consumo de ecstasy é tomar metade da dose planejada, aguardar os efeitos (pode demorar até uma hora) e então decidir se tomará a outra metade". Houve quem visse incitamento ao consumo da droga, impressão reforçada pelo nome "fantasia" do projeto: Baladaboa, que pode ser lido como "balada boa", ou como "bala da boa" ("bala" é uma das gírias que designa ecstasy).
"É subestimar demais a inteligência das pessoas", afirma Stella. "Daqui a pouco, vai-se dizer que o lema "se beber, não dirija" é um estímulo a que as pessoas encham a cara, ou que a distribuição de preservativos é um incitamento a orgias." Segundo a pesquisadora, o projeto serve exatamente para checar a linguagem mais adequada para se atingir os usuários de ecstasy. "O objetivo é dialogar com os usuários. Se esse nome não se mostrasse adequado, poderíamos mudá-lo."
O projeto de pesquisa sobre ecstasy foi aprovado há um ano pela própria Fapesp, incluindo a sistemática de análise pelos pares. Também recebeu aval do Comitê de Ética sobre Pesquisas em Humanos do Instituto de Psicologia da USP. Os protocolos científicos foram validados e eram de conhecimento da Fapesp, que, inclusive, já havia liberado 83% da verba da bolsa, além de 71% dos recursos necessários para a confecção e a impressão dos flyers.
Fernando Cunha, assessor de comunicação da Fapesp, disse que nenhum dos diretores da fundação falaria sobre o assunto. Garantiu que a decisão de suspender a liberação dos recursos tinha sido "da presidência", atualmente ocupada pelo poeta Carlos Vogt.
Segundo Cunha, suspensões de recursos são "comuns", em casos de atrasos na entrega de relatórios científicos. Ele disse, entretanto, que "nunca viu", "não tem conhecimento de suspensões a partir de noticiário da imprensa" --como foi o caso com a pesquisa de redução de danos aplicada ao ecstasy. A comissão formada para avaliar a pesquisa tem 30 dias para apresentar o relatório final. Se aprovar o relatório de pesquisa, o financiamento será retomado.
http://www.reduc.org.br/news.php?action=newsview&recid=338

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