quarta-feira, 20 de junho de 2007

Fapesp suspende apoio a projeto de redução de danos do ecstasy

Folhetos financiados pela fundação orientavam sobre consumo da droga

Ricardo Westin

A Fapesp, órgão do governo de São Paulo de financiamento de estudos científicos, suspendeu ontem a liberação de verbas para o projeto de uma pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) que incluía a distribuição de folhetos a consumidores de ecstasy, uma droga ilegal. Esses folhetos dão dicas de como reduzir os riscos do consumo da droga - uma delas é tomar metade da dose, esperar os efeitos e só depois decidir se toma ou não a outra metade. A Fapesp decidirá se libera ou não as verbas após investigar “as graves denúncias veiculadas pela imprensa”. A notícia foi publicada pelo site G1.

O trabalho em questão utiliza uma estratégia da saúde pública que tenta reduzir os danos à saúde decorrentes de práticas de risco, como o uso de drogas. Já que sempre haverá pessoas adotando essas práticas, mesmo que ilegais, a idéia é que os males sejam pelo menos minimizados. É a chamada redução de danos. Sua forma mais conhecida é a distribuição de seringas descartáveis entre usuários de drogas injetáveis, como forma de impedir a disseminação de doenças como a aids e a hepatite C.

Essa abordagem é polêmica. Existem pessoas que vêem nela um incentivo a práticas de risco e ilegais. Nas últimas semanas, duas iniciativas semelhantes à da USP ganharam os noticiários após terem sido contestadas - uma envolvendo drogas e outra, o aborto.

“Isso é um equívoco. A redução de danos não é uma apologia ao uso de drogas”, afirma a psicóloga Stella Pereira de Almeida, a responsável pelo programa que distribuiu em boates os folhetos sobre o ecstasy. Ela faz uma comparação com a distribuição de preservativos anos atrás: “Antigamente, acreditava-se que a distribuição de camisinhas incentivaria a promiscuidade. Não foi isso o que aconteceu.”

Segundo o psiquiatra Marcelo Niel, esse tipo de campanha é importante porque, em decorrência das informações, leva os viciados a procurar ajuda médica. “As cartilhas falam sobre os riscos de morte, de complicações, de intoxicação grave, de contrair doenças... Quando tomam conhecimento de todos os riscos, essas pessoas podem em algum momento optar pelo tratamento”, explica Niel, um dos coordenadores do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), da Unifesp.

O Ministério da Saúde tem e apóia programas de redução de danos. Para defendê-los, cita números decorrentes da distribuição de seringas descartáveis: em 1994, 21,4% dos casos de aids no País tinham relação com o uso de drogas injetáveis; em 2006, o índice foi de 9,8%.

No entanto, para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Álcool e Drogas (Uniad) da Unifesp, os programas brasileiros de redução de danos são “caricaturais”. “Não fazem sentido, já que o governo não faz campanha de prevenção nem oferece locais de tratamento para os dependentes.”

O infectologista David Uip, do Incor, diz que cartilhas só fazem sentido se forem distribuídas a um grupo de tamanho definido e depois acompanhado por um tempo. “Não podem ser distribuídas aleatoriamente. Usar droga é crime e ponto.”


OUTROS CASOS RECENTES

Cartilhas da Parada Gay:
Os organizadores da Parada Gay de São Paulo, realizada há dois finais de semana, pretendiam distribuir cartilhas com dicas sobre como usar drogas. Para evitar a transmissão de doenças, recomendava-se não usar notas de dinheiro enroladas para cheirar cocaína - o indicado era utilizar canudos individuais - e não compartilhar cigarros de maconha. Os panfletos, com as marcas do Estado, da Prefeitura e do Ministério da Saúde, foram recolhidos dois dias antes pelos organizadores do evento

Orientações sobre aborto: Uma ONG de Campinas lançou um projeto na cidade para orientar mulheres interessadas em fazer aborto sobre os métodos existentes e seus riscos. Entre os tipos explicados, estava o uso do medicamento misoprostol, vendido como Cytotec e utilizado no tratamento de problemas gástricos. No final do mês passado, o Ministério Público do Estado de São Paulo pediu a abertura de um inquérito policial para apurar suposta apologia ao crime. O aborto, fora dois casos previstos, é ilegal no Brasil

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